quinta-feira, 5 de julho de 2012

No primeiro Fla-Flu decisivo, até o Presidente da República virou figurante.

 Ilustração: Flavio Pessoa, ano de 2009.

A primeira grande decisão entre Flamengo e Fluminense ganhou preciosos relatos de Nelson Rodrigues e Mário Filho. Evidentemente, um e outro escreveram suas memórias muitos anos depois da peleja. Basta dizer que Nelson tinha apenas sete anos na ocasião desta grande final. Mário Filho, um pouco mais velho, tinha onze anos. Às vésperas do Natal de 1919, no dia 21 de dezembro, o estádio do Fluminense recebia um público de cerca de 30 mil pessoas. Entre eles, na Tribuna de honra, figurava sua excelência, o então Presidente da República, Epitácio Pessoa.
Curiosamente, Nelson situa a partida no campo do Flamengo, na época ainda na Rua Payssadu, no bairro do Flamengo. Já Mário Filho, bem como Roberto Assaf e Clóvis Martins, no livro "Fla-Flu, o jogo so século", situam o campo tricolor da Álvaro Chaves como o grande palco desta histórica partida. O mesmíssimo estádio em que a seleção brasileira conquistara naquele mesmo ano, o seu primeiro título, o sul-americano de 1919. O Fluminense jogava pelo empate para consagrar o tri-campeonato. Mário Filho e Nelson explicam que uma vitória bastava para que o Flamengo se sagrasse campeão. Já a dupla de jornalistas Roberto Assaf e Clóvis Martins afirmam que para conseguir o título, o rubro-negro precvisava de uma tarefa hercúlea: tinha que vencer aquela partida, a seguinte contra o Bangu e ainda torcer por derrota do Flu contra o América, na última rodada, para poder provocar um jogo extra. No acervo online do JB, infelizmente, não há disponíveis as edições de 1919 daqueles dias. Fico devendo a informação exata, missão da próxima visita à Biblioteca Nacional.

Preliminares.
"O Estádio do Fluminense estava transbordando. Havia gente pendurada nos mastros das bandeiras." Mário Filho escreve que o Flamengo nunca tivera tanta certeza da vitória. O Fluminense convidara seu ilustre vizinho, o Presidente Epitácio Pessoa, que não comparecia ao estádio desde o torneio sul-americano, e assim Arnaldo Guinle preparou o estádio como se fosse para as festividades do torneio internacional. Banda de fuzileiros navais, bandeiras em todos os mastros. Era uma grande ocasião. Na chegada de Epitácio, ainda antes de terminar a preliminar, o juiz suspendia o jogo e a banda de fuzileiros entoava o hino nacional para recepcionar o Presidente.
"E, às duas horas, (...) mandaram fechar os portões.

Os milages de Marcos Carneiro de Mendonça.
Numa final tensa, eqilibrada, estudada, lances polêmicos vão surgindo. Num gol de Zezé a favor do tricolor,anulado pelo sr. juiz,  alguém lembrou da ilustre presença: "É um escândalo fazer uma coisa dessas nas barbas do Presidente da República". Quando em seguida, o mesmo juiz apita uma penalidade máxima a favor do Flamengo, ouve-se no meio da multidão, um berro que Mário Filho diz ter sido ouvido de lado a lado do Estádio:
 _ "Respeite ao menos o Dr. Epitácio Pessoa, seu juiz!"
Pronto. Passado o momento de comemorações e desabafos, Japonês do Flamengo ajeita a pelota para a cobrança. Ali, naquele segundo, todas as atenções estão voltadas para o pênalti a ser cobrado, e sobretudo, como observa Nelson Rodrigues, para o goleiro. Até mesmo a eminente figura do Presidente da República passa a ser só mais um entre os 30 mil figurantes ali presentes. "É o chefe da nação, mas o pênalti fez o esatadista um pobre diabo."
Jamais ninguém foi tão olhado como goleiro Marcos de Mendonça, no momento em que japonês dispara e Marcos espalma. Na sobra rubro-negra, nova bomba à queima-roupa, obrigando Marcos à nova defesa, "num reflexo prodigioso", espalmando novamente, para receber um terceiro tiro ainda mais fulminante do que os outros dois. "Desta vez, ele se agarra e abraça a bola como a um fado.Três defesas rigorosamente impossíveis. E ninguém percebeu porque ninguém enxerga o óbvio, que estava, ali, o sobrenatural de Almeida." Mário Filho fez comentário semelhante: " A multidão ficou parada, sem compreender logo, tal qual um cômicode cinema que só percebe, minutos depois, a graça de uma anedota. (...) A Bola estava longe quando a torcida despertou, prorrompendo em aplausos". A partir daí, o Flumiense passaria a tomar conta do jogo. Machado abririria o placar ainda na primeira etapa.  

Mário Filho fala em estouros de canhões em cima do morro que, a partir do segundo gol, este já no segundo tempo, saldavam a vitória antecipada. O presidente estranha a antecipação, quando quis saber de Arnaldo Guinle o motivo da salva e das palmas compassadas.
"É que a torcdia do Fluminense já está contando com a vitória". " 'Mas não falta muito pro jogo acabar?' 'Falta, excelência.' Faltasse ou não faltasse o Fluminense adquirira a certeza da conquista.
 Veio o terceiro gol, e o quarto. Ouvem-se, então, clarins, e soltam-se serpentinas. Os canhões pareciam que não iam nunca mais parar com os tiros.

Curiosidades
 . Personagens 


Marcos Carneiro de Mendonça

Dois importantes personagens deste primeiro Fla-Flu decisivo da história se destacaram em suas trajetórias como grandes ídolos do clube que, não, por acaso, eram ícones do perfil elitista do clube. Um deles, o célebre Marcos Carneiro de Mendonça, que muito ajduou Mário Filho com seu material de arquivo sobre o seu tempo de jogador, que serviram de documentos para "O negro no futebol brasileiro". Marcos Carneiro, ou Marcos de Mendoça, também conhecido por Fitinha Roxa, que usava amarrada à cintura, foi o primeiro goleiro da seleção brasileira, e o primeiro campeão no primeiro título da seleção. Foi goleiro titular do Flumiense entre 1914 e 1922. Era ídolo e galã cobiçado pelas jovens torcedoras tricolores. Casou com uma delas, Anna Amélia, que lhe escreveu um poema. Da união do casal, nasceu a famosa e "temida" crítica de teatro Bárbara Heliodora. Além dos recortes de jornal que ajudaram a compôr um dos livros mais conhecidos na trajetória do futebol brasileiro, Marcos era historiador (segundo o wikipedia), escritor e colecionador de arte também. Conquistou o tri-campeonato de 17, 18 e 19.


 
Professor Harry Welfare

O professor inglês mr. Harry Welfare, vindo diretamente da Inglaterra para lecionar geografia e matemática no Colégio Anglo-Americano, já havia jogado pelo Liverpool. Ainda que amador, mr. Welfare havia jogado na liga de profissionais. Teria, inclusive, segundo relato de Mário Filho, em outra crônica dedicada ao professor,  tendo jogado contra Irlanda, Bélgica, Holanda. Máquina de fazer gols, estufou as redes adversárias 163 vezes em 166 jogos pelo Fluminense. Foi também o maior goleador em clássicos vovô, com 17 gols, superando Waldo e Heleno de Freitas, ambos com 16. Conquistou o tri-campeonato pelo Fluminense, além do torneio início de 1924.  

. Ficha Técnica:
Fluminense 4 x 0 Flamengo - 21 de dezembro de 1919. Campeonato carioca.
Local: Estádio das Laranjeiras
Juiz: Eduardo Magalhães.
Flu: Marcos, Vidal, Otelo, Osvaldo, Fortes, Mano, Zezé, Welfare, Machado, Bacchi. Técnico: Ramon Platero.
Fla: Laport, Píndaro, Telefone, Japonês, Sisson, Dino, Carregal, Candiota, Pereira Lima, Sidney Pullen, Junqueira.
Gols: Machado, Welfare, Bacchi, Machado.  

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Welfare
Assaf, Roberto e Martins, Clóvis. Fla-Flu, o jogo do século. Rio de Janeiro, Letras e Expressões, 1999. 
FILHO, Mário. O Fla-Flu da Lagoa. in: MARON FILHO, Oscar e FERREIRA, Renato (org.). Fla-Flu...e as multidões despertaram! Rio de Janeiro: Ed. Europa, 1987, p. 78-80.



 
           

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