segunda-feira, 23 de julho de 2012

"Nasce o Fluminense"...a perspectiva romântica de Mário Filho

Legenda: 
Texto do Mário Filho, na fonte Courier. Do blog, na Trebuchet.

" Football ? Que vinha a ser "aquilo"? Oscar Cox tentava explicar. Havia um campo. Sim. O ouvinte abria os olhos, procurando ver o campo. Não era difícil imaginar o field. O Clube Brasileiro de Cricket tinha um. A coisa porém, se complicava quando Oscar Cox, balançando a cabeça, dizia que, fora o verde da grama, não existia semelhança alguma entre o campo de cricket e o campo de futebol. O campo de cricket sendo oval, o de futebol, retangular. "Então, dizia o outro, deixando de ver o field do Clube Brasileiro- então eu  não percebo nada". Mário Filho


  
Os fundadores do Fluminense, provavelmente após 1904, 
já com terno tricolor. O primeiro era cinza e branco. 


Mais uma vez fica difícil comprovar até que ponto havia algum exagero no relato de Mário Filho, respaldado apenas pelas lembranças de poucas testemunhas, recortes de jornal de Marcos Carneiro de Mendonça e outros. É também completamente possível que parte da alta aristocracia que, assim como Cox, já tivesse travado contato com o futebol, em viagens à Europa. Também é possível que Mário Filho ignorasse vestígios encontrados posteriormente, que revelem evidências da prática desde fins do século XIX. Longe de  mim querer desvalorizar a deliciosa prosa de Mário Filho,  cujo esforço hercúleo de recontar nuances da história do futebol  já serviu de base como fonte histórica fidedigna. Ao contrário, seu relato ganha mais valor, se percebermos nele mesmo, um vestígio da influência da imprensa na construção da história do futebol. Como extraordinário jornalista que era, interessava-lhe menos a segura veracidade dos relatos, do que, neste caso por exemplo, do caráter dramático e/ou romântico do mito do fundador, do pioneiro, ainda que a História, enquanto ciência se esforce em questionar. Se este herói fundador tiver vencido obstáculos, dificuldades, melhor ainda. O personagem preferido da imprensa: um Hércules e seus 12 trabalhos. O povo gosta de histórias de heróis, que venceram dificuldades e o esporte é um terreno fértil deles. Na crônica de Mário Filho, ele procura reproduzir o irrepetível: o fato ocorrido, com a maior riqueza de detalhes, e ao mesmo tempo, numa linguagem direta, coloquial, aberta ao grande público.  Então, reproduz com a minúcia dos precisos diálogos, Oscar Cox apresentando o futebol a seus amigos. Ao Rio de Janeiro, ou pelo menos, para a alta aristocracia carioca. Vamos à batalha de Cox... 


Football, um novo esporte sem graça?
"Oscar Cox tinha dezessete anos, e acabara de chegar da Suiça. Lá em Lausanne, ele jogava football   pelo Colégio de La Ville. hegando aqui, uma das primeiras coisas que ele queria saber foi"onde se pode jogar football?". Nunca lhe passara pela cabeça que o nome de um "esporte tão conhecido" soasse aos ouvintes de todo mundo- o todo mundo da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro de 97- como um termo misterioso. Quase indecifrável. Quem sabe se mandando buscar uma bola...a ideia encantou Oscar Cox. 

Ele encomendou uma bola Mac Gregor, número seis."

" A bola, porém, não resolvia tudo. Faltava um campo. Faltavam as balizas. Faltavam as redes. Faltavam, os jogadores. E Oscar Cox começou a sentir-se isolado. Mais isolado do que nunca. E agora a impressão que ele experimentava era de fracasso. Às vezes apareciam curiosos. Depois de uns dois chutes, todos paravam, desanimados, achando que o football não tinha nada de engraçado. "Quer saber de uma coisa, Oscar? Desista disso. O football é pau. Cacete como ele só. Não pega.ou você acha que é interessante a gente ficar aqui feito bobo vendo você jogar?" Oscar Cox acabou concordando. Agarrou a bola e levou-a para casa." 



Ilustração de 2009.
Incentivos do pai esportista.
"Como porém, deixar de pensar em football? O velho Emmanuel Cox (...) era o primeiro a animar o filho. Com um exeplo constante de entusiasmo pelo esporte. Fora ele, o velho Jorge Cox, quem tivera a ideia de fundar o Rio Cricket and Atlhetic Association. Parecia impossível, eis a conclusão que chegara Jorge Cox - que não houvesse um clube em Niterói com tanto inglês por perto." Em toda parte do mundo, uma dúzia de ingleses juntos formam um clube. Assim, nasceu em Niterói, o Rio Cricket. E com o Rio Cricket surgia também um campo."
" 'Arranje um team - foi o conselho do velho Jorge Cox a Oscar- e o resto será fácil.' Oscar Cox levou três anos de 98 ao ano primeiro do século XXI, para arranjar um team de football. Só de brasileiros. 
Quem vinha da Europa (...) vinha sabendo um pouco de football. Assim, se foi juntando gente (...)."
O team de brasileiros devia enfrentar um team de ingleses. Qual inglês que não dera um chute numa bola? E aí - era agosto de 1 - bem de manhã cedo, os tenistas do Rio Cricket and Athletic Association tiveram a atenção despertada por umas balizas colocadas nos extremos dos campos de cricket. Eles perguntaram ainda o que era aquilo quando apareceram os jogadores."
Sobre este jogo, a imprensa chegou a se envolver diretamente, referindo-se ao jogo como um Brasil x Inglaterra e aos brasileiros como "nós".  
Enquanto o velho Etchegaray explicava as regras aos tenistas, a bola rolava e Mário Filho vai relatando nuances do confronto. "Uma bola chutada por Caiwood Robinson não fora defendida por Clyto Portela. 'Foi goal - explicou o velho Etchegaray - Goal dos ingleses.' E quando Júlio de Moraes empatou, os tenistas do Rio Cricket compreenderam logo que tinha sido goal também." 





Ao empate com os ingleses, seguiram novos empates com os paulistas, nos primórdios do "Rio-São Paulo".        
  "Que faltava mais? Não bastava jogar aqui e ali, partidas de football. Era preciso mais alguma coisa. Um clube. A ideia do Fluminense (com o nome de Rio Football Club ainda)começava a perturbar as vigílias de Oscar Cox. E ele, um dia, surpreende os amigos com um convite. Quem estivesse de acordo com a fundação de um clube brasileiro de football, deveria comparecer, a hora tal, em tal lugar. E lá compareceu um grupo que se fez de engraçadinho. Oscar Cox deu início à sessão, em tom solene, declarando que, "como todos ali se achavam presentes estavam de acordo com a proposta apresentada"...E uma voz se fez ouvir: "Quem foi que disse que eu estava de acordo? Eu sou contra". O Fluminense teria que esperar, por causa disso, outra oportunidade para nascer."

Curioso destacar aqui a interpretação de Mário Filho, que chega a apresentar os diálogos com precisão de detalhes, atribui apenas a uma gracinha juvenil, a contrariedade de um descontente, sem apurar quem teria sido, quais os seus motivos e muito menos as razões que levavam a sua negativa ter um peso tamanho que inviabilizasse a tão desejada fundação do clube. Mas o episódio, apenas corriqueiro, é usado para reforçar a perseverança de Cox diante das dificuldades. Mas eis que se cumpriria o último obstáculo e no dia 21 de julho de 1902, "os portões da casa de Horácio Costa Santos, que ficava ali na Rua Marquês de Abrantes nº 51, se abriram para a cerimônia de fundação do Fluminense. Lá estavam Horácio Costa Santos, Mario Rocha, Walter Schuback, Felix Frias, Mario Frias, Moutinho, Luiz da Nóbrega Junior, Arthur Gibbons, Virgílio Leite de Oliveira e Silva, Manoel Rios, Américo da Silva Couto, Eurico de Moraes,A. C. Mascarenhas,Alvaro D. Costa, Julio de Moares, A.A. Roberts. E Manoel Rios presidiu a mesa, ladeado por Américo Couto e Oscar Cox. Oscar Cox estava com as mãos frias, de nervoso, e sentia um nó na garganta. Mas era de alegria: o Fluminense deixava de ser um sonho."   
           

2 comentários:

  1. Quando Oscar Cox fundou o Fluminense Football Club em 21 de julho de 1902, ... no bairro do Flamengo, Rua Marquês de Abrantes, 55 para ser exato, na casa de Horácio Costa Santos que era torcedor do Flamengo (REMO), a atual torcida do Flu nem imaginava que uns dos FUNDADORES do pó de arroz era PRESIDENTE do Flamengo (Virgílio Leite de Oliveira e Silva), então antes da debandada de 1912, antes disso fica provado que o Flu tem um pouco de Fla e não ao contrário rsrs

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  2. Um pouco dos dois, Tatiane... rs...por isso que o nelson Rodrigues dizia que Flamengo e Fluminense são os irmãos Karamazov (do romance de Dostoievsky) do futebol. Obrigado pela participação. Rubro-negros, e todos os torcedores rivais tb são sempre bem vindos ao blog Cultura Tricolor!

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